terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O Outro Cabo*

O texto que agora posto foi escrito para o blog do Núcleo de Estudantes Sociais-Democratas (não, não faço parte). Partiu de um convite do Baby Boy, que tive todo o prazer em aceitar. 


A razão para o trazer só agora, prende-se com o facto de a minha Coimbra também ser a Tua, em tempos diferentes e espaços provavelmente diferentes. Não interessa, é a nossa Coimbra. E por postá-la aqui hoje, reduzo um bocadinho a distância que, por hora, há entre Nós.


Não tenho memória nítida do dia em que cheguei a Coimbra. Quando recuo, apenas consigo posicionar-me lá, sem data específica. Escrever sobre Coimbra é sempre um exercício de luto.
A minha Coimbra começa na universidade e desce ligeira até ao rio, pelas ruas de pedras redondas, gastas de tantos pés apressados para uma aula, pés cansados de regresso a casa, pés cambaleantes de uma noite por dormir, ou pés parados à conversa com outros pés.
A minha Coimbra é a Universidade e recordo a primeira aula, em que o professor de Epistemologia Geral nos recebeu com um excerto de As Cidades Invisíveis de Italo Calvino e a exortação para que levássemos a Universidade para além das paredes seculares daqueles edifícios. Pediu-nos exactamente o que o professor seguinte, um homem pequenino que pouca (ou má) memória deixou, tanto se esforçava para manter.
A minha Universidade prosseguiu com as aulas de Antropologia Filosófica, que me permitiram desenvolver mais consistentemente a minha consciência feminista, e com essa paixão avassaladora pelas aulas de Filosofia Contemporânea, difíceis, fascinantes, de que ainda hoje sou nostálgica e a que sempre volto (o título e a citação assim as evocam).
A minha Coimbra é a dos Encontros de Fotografia, onde descobri a paixão pelo olhar demorado que os outros depositam nas coisas e nas pessoas e nos lugares; portanto, a minha Coimbra é o Museu Machado de Castro onde estive com Pierre Verger ou o Pátio da Inquisição onde me perdi de amores por Joel-Peter Witkin, ou o edifício das Caldeiras onde ia ter com B. e onde estava a instalação de Nozolino.
É a Coimbra da Travessa de Montarroio, da casa com postigo e cogumelos a nascer atrás do sofá. É a Coimbra do Diligência Bar e das músicas PREC regadas a bom vinho e histórias do Sr. Vítor. É a do Académico, do Clube de Rugby, da States ou do Buraco Negro, lugares onde descobri David Bowie e Pixies, Cake e Toy Dolls, Prodigy e Rammstein (e todos os outros que injustamente ficam por enunciar).
É também a Coimbra onde organizamos Por Levadas e Arraiais na Casa da Madeira; trabalhamos que nem doidos/as, suamos as estopinhas e fizemos juras de que enquanto houvesse memória nunca mais nos meteríamos em nada do género (e a memória é sempre demasiado curta). É a Casa da Madeira da D. Natália, funcionária incansável que nos aligeirava os queixumes e a documentação oficial.
A minha Coimbra nunca foi a do traje académico, com a história pesada da polícia académica; também nunca foi a das trupes da tesoura e da colher de pau, que alegremente perpetuam tradições cuja origem ignoram. A minha Coimbra nunca foi a Coimbra dos “Gang’s de Capa e Batina” (título de uma reportagem que saiu na altura sobre a praxe na revista do DN, assinada pela minha grande amiga Isabel Ventura).
É sede de quase todos os afectos que maior importância tiveram/têm para mim.
A minha Coimbra – que desdenhosa e ingenuamente afirmava não ser minha - foi-me estranha até (quase) ao momento em que soube que tinha que regressar. Aí dei lugar à Coimbra que ainda hoje há em mim.

*Título de um livro de Jacques Derrida.

8 comentários:

Dirim disse...

:) magnífico texto, magnífica memória :)

Alix disse...

Se calhar era eu que estou de mau humor sempre que lá vou, mas a verdade é que Coimbra me deixa sempre de mau (pior) humor: velha, feia, suja e chata! Ainda não consegui mudar de opinião...

Woman Once a Bird disse...

Welcome, menina Alix. :)

jorge disse...

PSD PSD PSD

Woman Once a Bird disse...

Não compreendo Jorge. Isso é o quê?

Anónimo disse...

Julgava eu que a campanha política já tinha terminado... por uns tempos.

jacinto gouveia disse...

Apesar de vir já um pedaço atrasado, não podia deixar de te felicitar pelo belo texto cara Woman O.A.B. , e já agora falar de algo que me marcou imenso quando estive em Coimbra que é a R.U.C. ( Rádio Universitária de Coimbra ) , um oásis no panorama radiofónico português, com excelentes programas e que quase aposto que também era uma das tuas companhias preferidas :)

Woman Once a Bird disse...

Tem razão, Jacinto. A RUC é um marco, nos programas de autor que acaba por fomentar. Confesso que nunca fui muito auditora de rádio, por puro esquecimento.