quarta-feira, 17 de setembro de 2008

As minhas inutilidades são-me preciosas

Hoje desacelerei, tal como recomendaste. Tentei suster o passo e sentir a calçada sob os meus pés lentos. Sentei-me na esplanada e esperei placidamente pelo sumo, enquanto lia um conto surpreendente de Clarice. Ou melhor, enquanto o terminava, abandonado que tinha sido pelo sono que me toldou os sentidos e venceu a importância do desferimento que é ler um conto de Clarice. Apeteceu-me transcrevê-lo aqui na íntegra, mas a certeza que a impaciência não permitiria a sua leitura susteve a ideia. Desisti de o querer lançar aos outros, de querer que se surpreendam tanto quanto eu me surpreendo de cada vez que A leio. Permiti que o dia não corresse por mim; senti-o em todos os seus segundos, afastando a urgência que chega com o aproximar dos dias mais rotineiros. Saboreei a sós o passeio pela cidade, a compra cuidadosa do papel de carta que relembra a urgência da escrita. Observei os outros que corriam, que apressavam o passo pela calçada sem a sentir. Calçada tornada alcatrão, indiferente, aborrecida. Sorvi a lentidão do dia - para que o travo permaneça.

4 comentários:

bartleby disse...

Isto parecia quase um "elogio da lentidão". Porque é que não procuras o conto na net e dás o link? O povo que não tiver paciência para o ler no visor pode sempre imprimi-lo e ler numa esplanada. A Mme. Lispector é sempre uma leitura surpreendente!

Woman Once a Bird disse...

O conto, que se chama "A Mensagem", não está online. O que é pena, porque é magnífico. A par com "O Ovo e a Galinha".
Ler Clarice é sempre uma revelação - mesmo no que diz respeito a uma releitura.

Anónimo disse...

Um belo texto! Gostei muito.

flor disse...

Chegar até aqui foi dificil.Confesso que quase me tinha esquecido do caminho. Foi do calor, este Verão foi, especialmente, quente no meu jardim. Hoje, com esta chuvinha, deliciosa, desabrochei.Peço desculpa, eu não conheço Mme. Lispector, que nome! Sugere logo "pesadas" introspecções, mas não percebo como tamanho "arrojo", o de dedicares um dia a ti própria, só para ti, "senti-o em todos os seus segundos", pode terminar com um "Sorvi a lentidão do dia - para que o travo permaneça". Prefiro levar a passear o meu "stresse"