Os chineses vêem as horas nos olhos dos gatos. Um dia, um missionário passeando por um subúrbio de Nanquim, apercebeu-se que se tinha esquecido do relógio, e perguntou a uma criança que horas eram.
O garoto do Império Celeste hesistou primeiro; depois, mudando de parecer, respondeu: "Eu já lhe digo". Pouco depois reapareceu trazendo nos braços um gato muito gordo, e fitando-o no alvo dos olhos afirmou sem hesitar: "Ainda não é meio-dia". O que era verdade.
Por mim, se me debruço sobre a linda Féline, a tão bem baptizada, que é ao mesmo tempo a honra do seu sexo, o orgulho do meu coração e o perfume do meu espírito, quer seja de noite, quer seja de dia, em plena luz ou na sombra opaca, no fundo dos seus olhos adoráveis eu vejo sempre distintamente as horas, sempre a mesma hora, uma hora vasta, solene e grande como o espaço, sem divisão em minutos ou segundos (...).
Se qualquer imbecil me viesse perturbar enquanto o meu olhar repousa sobre esse delicioso mostrador, se qualquer génio malévolo e intolerante, qualquer demónio me viesse perguntar: " O que estás olhando com tanto interesse? Acaso lá vês as horas, mortal ocioso?, eu responderia sem hesitar: "Sim, vejo as horas. Agora é a Eternidade!"
"Relógio", Charles Baudelaire
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2 comentários:
Quando tinha 16 ou 17, tinha a mania que era afrancesado e que gostava de Baudelaire e de Paul Eluard.
Esta história neste post é bem ilustrativa do espírito francês. O tipo (Baudelaire) descobre um mote genial para uma história absolutamente fabulosa (a ideia de ler as horas nos olhos de uma gato) e imediatamente o desenvolve e transforma num texto cuja pobreza e indigência mental impressionam.
Não concordo. A forma como é contada a história é que ilustra bem um estilo, uma época e, principalmente, o génio do indivíduo que a escreveu.
Concordo que seja excessivo. Um escritor muito dado a delírios:)) bem alargados.
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