segunda-feira, 23 de outubro de 2006

O (en) encanto da Pequena Sereia

O (en) canto da Pequena Sereia “ Na imensa e secular rotina em que nos perdemos”, surgem “vozes” que pincelam os nossos Invernos com cores quentes. É preciso ouvir para sentir. A permanência de uma gélida estação dá-se quando recusamos aprender a escutar os sons que não nos são familiares.Durante algum tempo destes meus pardos dias, ouvi uma voz que me importunava, no início, sempre; depois, quase. “Já leu?”. Por falta de tempo e de paciência, ainda não tinha lido. Os meus pensamentos da “cor-de-burro-quando-foge” diziam-me que nada de interessante me ia dizer aquela voz tão verde, tão nova. Adiei e fui adiando. Mas… ai de mim! Sou tão humana, erro tanto! “Desculpa” (é enervante o uso e abuso que faço desta palavra que, se fosse tecido, estava esburacada ou mesmo desfeita).
Quando o dever chama, os pestilentos humores passam, e eu li:“ - Trabalho de Português (8º ano): sob forma de diário, relembra um dia da tua vida que tenha sido importante para ti.
O dia do meu transplante renal foi o dia mais desejado, mais longo dos meus 17 anos já feitos nesta vida.As horas, minutos, segundos passavam no relógio posto no meu pulso ao som e ritmo do tic tac infinito. Durante o meu calmo e descontraído descanso, vejo, entretanto, uma equipa de enfermeiros a aproximar-se e a levar-me, muito calmamente, para um dos blocos operatórios do Hospital de Santa Maria. Ao chegar ao bloco operatório, a minha mãe ficou à porta, e eu segui um pouco mais à frente. Olhei em volta, enquanto esperava por novas ordens da equipa que estava comigo.
De seguida, disseram-me para passar para a sala de operações, e assim foi. Logo depois, deitei-me em cima da chamada “mesa de operações”. Reparei que na parte superior do bloco havia dois espelhos para os estudantes de medicina.Olhei com mais atenção e vi um ajudante de cirurgia, estava a vascularizar um órgão e percebi logo que era o rim que me iam pôr. Lamentei com a enfermeira: “Aquilo parece um frango a esticar a argola!”.
Além de mim, a equipa estava nervosa, porque sabiam todos que iria ser um transplante muito complicado. Logo de seguida, anestesiaram-me.
Acordei. Estava no recobro. Olhei à minha volta e perguntei à minha mãe quantas horas tinham sido, e ela disse-me “cerca de 8h e 30m de transplante. A Dr.ª que me tinha operado disse-me que, apesar de ter sido muito tempo, muitas horas, a operação tinha sido um sucesso. Fiquei tão contente que só pensei: “Agora tenho que ter uma boa recuperação”.
Desde daí, já passou um ano, dois meses e três semanas e eu estou muito feliz e espero continuar por muitos e muitos anos com a parte da vida de outra pessoa.Hoje posso dizer que faço parte da zona VIP dos milionários deste universo."
A autora deste texto chama-se Elsa Freitas, frequenta o oitavo numa escola da Madeira e, tal como as sereias, não consegue andar, por isso, usa uma cadeira de rodas para levar o encanto do seu sorriso e da sua voz. É linda e muito amiga dos humanos, esta Pequena Sereia.

7 comentários:

Woman Once a Bird disse...

Afinal, sempre procuras além da burocracia, reuniões e concertações. Ainda o que nos vale, são estes pequenos presentes, leituras nesperadas para além do relaóro e do copy paste.

rps disse...

Pois é... Um gajo até fica sem jeito...

Anónimo disse...

Muita saúde para vós!

Woman Once a Bird disse...

Queria escrever "relatório".

Anónimo disse...

Não lê passivamente um testemunho destes.Como tantas vezes acontece, parece que a felicidade (até de um texto bem escrito, como este) é apenas o outro lado da dor. Essa tua aluna passou além da dor, e nós com ela o Bojador.

Campinho

Anónimo disse...

é verdade... (saudades das tuas sábias palavras...)

Anónimo disse...

... nefertiti